Os anos de exuberância econômica vividos no Brasil entre 2010 e 2014 trouxeram como contrapartida um longo período de crise, lastreado pelos altos índices de inadimplência e grandes prejuízos amargados pelos bancos. Falando especificamente do setor imobiliário, para se ter uma ideia do nível de insolvência à época, no ano passado foram retomados 1.921 imóveis por inadimplência, e em 2017, 2.256. Em 2012, quando a economia crescia e ainda havia respingos do boom imobiliário ocorrido em 2006, apenas 462 imóveis retornaram para as mãos das instituições financeiras.
A crise vai dando sinais de melhora, com a gradual recuperação dos investimentos financeiros. A expectativa é de que o ano comece animador para o setor imobiliário: a retomada do crédito com recursos da poupança aponta para um aumento das vendas em 2020, o que agita as construtoras e incorporadoras de todos os portes.
Sabemos que a expansão do crédito nos próximos anos está condicionada à capacidade do setor de atrair recursos do mercado de capitais. As fontes que bancaram os projetos até aqui (poupança e FGTS) não vão se esgotar tão cedo, mas serão insuficientes para atender a demanda.
Segundo levantamento da consultoria Tendências, de janeiro até agosto deste ano, os financiamentos imobiliários com recursos da caderneta de poupança registraram alta de 26,4% em relação ao mesmo período de 2018. Esse crescimento foi mais intenso nas concessões voltadas às incorporadoras para construção, que subiram 47,2%, enquanto os empréstimos para consumidores realizarem a compra aumentaram 20,9%.
Entretanto, o incorporador – seja ele pequeno ou grande – também continua procurando pelos bancos, em uma resposta ao aumento da demanda por imóveis – o que significa que ele precisa estar preparado para disputar este capital.
Novos holofotes se voltam para a governança financeira, que havia sido deixada em segundo plano durante os tempos sombrios de crise. Isto porque as micros, pequenas e médias empresas do setor estão atentas à recuperação do mercado imobiliário; muitas já perceberam o movimento inusitado dos bancos, que começaram a correr atrás das incorporadoras para oferecer empréstimo para a construção de novos empreendimentos. E ninguém deseja perder a oportunidade de ficar com uma fatia desse bolo.
No âmbito da iniciativa privada, de acordo com dados do Ministério da Economia, quase 250 empresas demonstraram intenção de investir (ao todo) mais de US$ 60 bilhões no país nos próximos anos.
Parece bom por si só, mas ainda há outras razões para o otimismo entre as empresas que atuam no segmento de governança financeira. Por exemplo, há uma nova lei que trata sobre o distrato imobiliário e estabelece multa de até 50% em caso de desistência do imóvel, beneficiando o mercado e proporcionando maior segurança quando a opção é a compra do imóvel na planta.
Outro ponto é a valorização dos imóveis, esperada para 2020 e 2021 por causa da estimativa da inflação em queda e, por consequência, a redução das taxas de juros. Isso tudo gera maior estabilidade dos preços dos imóveis e um cenário positivo.
Além disso, o próprio Ministério da Economia e o Banco Central vêm planejando uma série de ações com o intuito de tornar o mercado de títulos imobiliários mais atrativo para investidores. As medidas, em diferentes estágios de estudo, vão da liberação do uso do IPCA para indexar contratos no Sistema Financeiro da Habitação (SFH) à criação do registro de recebíveis das incorporadoras.
Ao vingar, estes projetos abrem um leque de oportunidades. Imagine que, enquanto os bancos possuem poupanças, volume e um grande apetite para financiar, já que retém o consumidor durante 30 anos, eles também encontrarão competição no segmento de pessoas jurídicas, dentro do mercado de capitais. Assim, uma vez que as empresas de melhores rating já estão sendo atendidas, ficam aquelas que estão nos níveis abaixo, necessitando dos mesmos serviços, porém com riscos maiores. Mas isso não pode ser um problema: basta que elas se adequem para entrarem no páreo.
Passada a tempestade dos últimos anos, com o crescimento da economia – mesmo que lento – já observamos em nosso escritório um aumento de empresas com esta necessidade. São construtoras e incorporadoras que necessitam entrar em conformidade com todas as regras do mercado para se tornarem competitivas e aptas a fazer parte do grupo de empresas com acesso ao capital de grandes fundos e investidores.
No meu ponto de vista, há um enorme espaço no Brasil para que as empresas do setor de imóveis ampliem os níveis de governança financeira, compliance e de gestão do risco das operações. São projetos que trarão frutos importantes para o mercado e para o Brasil, principalmente por representarem o desenvolvimento de planos empresariais com capital intensivo. Sem falar no consumidor, que terá melhores ofertas e oportunidades, sobretudo para pagamento, com juros mais baixos.
Para 2020, espero que Sistema Financeiro da Habitação – majoritariamente formado pela classe média – retorne com mais força. Além do aumento do investimento, o otimismo se fortalece com a ampla variedade de ofertas de crédito, aumento de vendas on-line, maior preocupação com sustentabilidade e uso racional de recursos e uso de inovações tecnológicas. Estas serão as chaves para uma verdadeira guinada no próximo ano.
Gênesis Pazzeto Baptista sócio da OGFI Governance